Li hoje na malha blogueária da Info:
"O ministro das Comunicações, Hélio Costa, afirmou hoje (17/12) que falta engajamento da indústria para popularizar a TV digital no Brasil.
Após admitir que lamentavelmente o país ainda não produza conversores de TV digital em número suficiente para atender a população, Costa criticou a falta de empenho dos fabricantes para popularizar a nova tecnologia."
Ao ler isso, uma interrogação me veio à cabeça: HEIN?
Sinceramente, tenho sérias dúvidas quanto a maneira de como está sendo aplicada a TV digital no Brasil, e até mesmo sua utilidade, por vários motivos...
Bom, vamos lá:
1-O primeiro grande detalhe: programação.
Responda rápido: A TV aberta brasileira dispôe de conteúdo de qualidade o suficiente para se aproveitar dos novos recursos da TV digital?
A resposta, meus senhores, é obviamente NÃO. O brasileiro é campeão em disseminação de comportamentos indevidos, e de culto ao que simplesmente não presta (e quando falo de prestar, falo no sentido construtivo). Vamos ser realistas: o que o Brasil assiste hoje na TV? Futebol, novela, BBB e outros. E com certeza nenhum dos quatro justifica o uso do sinal digital.
A seguir, um quadro atual da TV pública aberta brasileira:
BBB - Sobre BBB, nem falo nada. Ou melhor, falo sim: Tem gente que considera essa merda parte integrante da cultura brasileira. Mas que cultura? A cultura de fofocar, de se intrometer na vida dos outros? A cultura da falsidade, da dissimulação, da mediocridade, do "não preciso trabalhar, se eu posso ficar rico com a mídia se eu só chamar atenção"? Sim, essa infelizmente parece ser nossa cultura, a qual ajuda a explicar a merda em que estamos, tanto social, quanto política e culturalmente.
Sim, o brasileiro cultua os valores errados, e sofre as consequencias disso. E nem ao menos vê isso, por que está ocupado demais discutindo numa mesa do bar quem deve ser eliminado no próximo paredão, ou quem deve ser o anjo, ou o diabo, sei lá. O pior é que tem gente que jura que esse negócio é comprado (ou seja, a globo manipularia as decisões e etapas desse circo). Daí já não sei, e sinceramente pra mim não mudaria nada - BBB continuaria sendo o fundo do poço da qualidade do conteúdo (ou falta dele) na TV brasileira.
Novelas - Quanto às novelas, o negócio é o seguinte: trabalhar menos no roteiro, botar mais putaria (de preferencia com as deusas gostosas sem muito talento que geralmente vem dos BBB's), e de vez em quando botar um assassinato (ou uma série de assassinatos) com mistérios insondáveis (e motivos mais insondáveis ainda), só pra dizer que a novela é diferente. Uma pinóia que é diferente. No final, novelas não mudam nunca: você sempre conhece os verdadeiros motivos dos personagens no primeiro capítulo, e automaticamente consegue deduzir seus desfechos com precisão militar no final. Eis os estereótipos das novelas:
Os bonzinhos - que sofrem todo o tipo de aperreios durante a novela toda, mas dão a volta por cima no final, sempre ficando ricos sem fazer esforço (o objetivo de todo brasileiro);
Os malvados - que se dão bem durante toda a novela, e são desmascarados no último episódio, sendo escandalosamente expostos e, em seguida, inevitávelmente presos ou mortos);
Os neutros ou indecisos - que até o final da novela serão assassinados, ou inevitavelmente escolherão um lado, ou morrerrão por algum motivo sem nexo - pra economizar no elenco, afinal de contas, ator custa dinheiro, né?).
Os protagonistas - sempre um homem e uma mulher, que estão "predestinados" a ficar juntos (alguem me explica esse conceito, eu não consigo entender), mas sempre são separados pelos vilões, por interesses sexuais ou não, seja pela vilã lasciva que quer conquistar o bonzinho e gostossísimo protagonista (o qual vive na praia, pra justificar a falta de camisas no figurino do ator), ou pela sogrinha "maravilhosa" e rica que passa a novela toda tentando mostrar pro filinho de papai idiota que a protagonista não presta (e tenta empurrar uma outra vilã - geralmente mais gostosa - no colo do menino). Os dois podem ou não aproveitar essas chances de escapadinhas, afinal de contas a cultura brasileira não inclui mais a fidelidade, e as novelas precisam de momentos sexuais pra manter o brasileiro ligadíssimo (sacanagem, sim, essa a cultura brasileira inclui).
Os engraçadinhos - Sempre com uma besteira pra falar, ou algum erro gramatical esdrúxulo, pronto pra ser adotado por todos os ignorantes. São as referencias vivas da irreverência nata do brasileiro - isto é: rindo do que não pode, fazendo o que não deve, falando merda e ainda se achando o maioral. Ganham imitadores por todo o Brasil, que acham que estão "abalando" por imitá-los.
Em suma, as novelas são mais ou menos como o big brother, só que sem a "interatividade" (assim entre aspas porque, como dito lá em cima, pode ser que o zoológico lá seja adulterado pela globo). Mas ainda sim alimentam o conjunto de valores da cultura brasileira. Ou deveria dizer que mata-os de fome?
Futebol - Cara, eu gostava de futebol. Não a ponto de saber nome de todos os jogadores, bla-bla-bla, mas apreciava o esporte como um todo. Como foi gostoso assistir a copa de 94, tanta competitividade, tanta garra! As partidas eram desafiantes, mas não porque a seleção estava mal treinada, ou cheia de egos inflados, mas porque os adversários eram fortes. Quem lembra da lendária final contra a Itália, tensíssima até o penalty perdido de Roberto Baggio. AQUILO SIM, era futebol.
Agora hoje em dia, é mais embuste que técnica. Um craque de futebol é um cara com técnica fora do comum, mas sazonal - vai e volta, horas aparece, depois desaparece, sempre com uma justificativa, nunca com uma desculpa sincera, ou uma lição aprendida. É uma situação onde o estrelismo vale mais do que a técnica: você pode perder partidas a fio e não fazer porra nenhuma, agora faça dois dribles bem-feitos e um gol de bicicleta e você será o rei do mundo. Depois, você pode voltar a ser a merda que você sempre foi. Mas não esqueça de botar a justificativa no treinador, no técnico, no gramado, na vida sexual, etc.
O pior mesmo é que os realmente bons vão pro exterior - e só voltam depois que estão gordos e metidos até o pescoço com travecos (ou seria por travecos? hahaha, fui maldoso agora...).
Outros - Na parte de outros, podemos incluir programas que são mania, mas facilmente substituíveis por qualquer coisa com o mesmo tipo de "conteúdo", e que geralmente passam por grandes (porém superficiais) reformulações. Começando com o "humor" (ou a falta dele) brasileiro. Vamos começar pelo mais óbvio: Zorra Total. É o maior programa de humor sem graça que já existiu. A não ser que você ache que uma mulher ultra gostosa em trajes mínimos engraçado, o que originalmente não é engraçado, mas sim excitante (a não ser que você seja mulher ou homossexual, daê a historia é outra). Como o programa é de humor, o ideal é que ele fosse engraçado, não excitante. Se quero excitar, vou assistir um filme pornô, ou pedir àquela gatinha que conheço pela net um belo stripcam, ou pego uma mina por aqui mesmo (mas daê também ja é outra história).
A questão é: o foco deveria ser o humor - coisa que já não existe mais no Zorra Total. Vou mais longe: não existe mais na TV brasileira. Essa historia de humor de personagens, onde cada personagem tem um bordão, e se mete sempre no mesmo tipo de situação "engraçada" deveria ter sido aposentado há muito tempo. Exemplo? Zé bonitinho! Por que diabos aquele personagem ainda existe??? Gente, aquela porra nem é engraçada! Nunca foi! Qual é a graça? E existe há décadas! DÉCADAS!!! É tempo pra cacete!!! Mesma coisa com o A Praça é Nossa, mas que está mais leve, e com mais improvisos (que provavelmente deve se atribuir a falta de cachê pra contratar uns roteiristas, daê vai no improviso mesmo), mas mesmo assim bem prejudicado (gente, quem é o Tevez mesmo?).
Em contra-partida, há a nova geração do humor televisivo brasileiro, que começa no Pânico, e termina no CQC. Eu adorava o Pânico, um humor novo, e - à sua maneira - inteligente. Era trash, viral, visceral, incoveniente e verdadeiro, como um tapa na cara. Muito original. Mas agora concentra-se em fazer polêmica, virando satélite das emissoras mais poderosas, quando antes, em um passado glorioso, podia declarar sua independência e desprezo pelas mesmas. Sinais dos tempos. Quanto ao CQC, é uma iniciativa nova e bem vinda, de uma galera que trabalha com um formato de humor mais inteligente, sagaz e crítico - a galera do ilustríssimo stand-up comedy, ou comédia-em-pé. Há algumas falhas e inconsistências, mas tem tudo pra dar certo - e já está dando! Claro que boa parte dos brasileiros não entende (deixe-me adivinhar: deve ser a parte que morre de rir do "tô pagando"... Lamentável).
Ainda na sessão outros, há o jornalismo, que vai muito bem (pra alguns canais, é claro) e programas de variedades - que por sua vez não variam muito entre os programas para donas-de-casa (que tem desde receitas e utilidades domésticas até malhações à ex-maridos de amigas/colegas-atrizes que dias depois aparecem mortos, né Ana Maria Braga?), e os programas "Domingais". Ahhhh, os programas domingais! Vou inclusive terminar esse parágrafo pra começar um só pra eles.
Pronto, parágrafo para programas domingais começando agora, e com a busca por uma definição perfeita... Ah! Já sei! O retrato definitivo da decadência cultural brasileira. Sério mesmo, gente. Em um canal: bundas, miséria, bundas, música ruim, bundas, polêmicas sem futuro. No outro canal, nem tanta bunda, música ruim, nem tanta bunda, números de circo em 30 segundos, nem tanta bunda, bairrismo e super-chororôs super-produzidos por super-"talentos" super-estimados (até demais). A única coisa que salva um pouco é uma "revista digital" (como assim? mas a TV não é analógica, hahahaha), com no máximo uma ou duas matérias interessantezinhas e o resto composto por matérias sensacionalistas e super-produzidas (mais ou menos como a Revista Veja, só que em escala classe C, com direito a quadros de Regina Casé).
2-O segundo grande detalhe: tecnologia aplicada ao conteúdo.
Bom dado esse extenso quadro da atual TV aberta brasileira, vamos começar a falar sobre TV Digital. Qual a característica mais importante da TV Digital? Exatamente, ela é Digital! Mas o que exatamente isso quer dizer? Isso quer dizer maior qualidade de imagem, e a futura possibilidade de interagir com o conteúdo.
Legal né? Mas é exatamente aí que perde-se a consonância entre a TV Digital e a TV aberta brasileira. Para entender porquê, vamos agora discutir as vantagens da TV Digital aplicadas à realidade brasileira:
Alta qualidade de Imagens - Gente, qual dos conteúdos acima precisa (ou merece) alta qualidade de imagem? NENHUM!!! Pra quê ver as espinhas mal escondidas pela maquiagem malfeita da protagonista da novela? Ou a cicatriz da cirurgia do jogador de futebol que não ajudou em nada, pois ele continua jogando mal pra cacete? A única coisa boa é que talvez (só talvez) o público masculino deixe de se iludir pelas mulheres frutas, e consigam finalmente ver o que a Playboy e cia. escondem: estrias monstruosas, mil celulites e afins. Porque a bunda de nenhum ser humano fica daquele tamanho sem a pele estriar, ou sem uma bela camada de tecido adiposo sujeito a ficar coalhado de celulite. Pro BBB, não vou nem comentar (dessa vez nem preciso).
Interação do telespectador - Ah, cláááááro, seria ótimo votar no BBB em tempo real, ou colocar seus comentários na novela das oito em bom "prutugueis" pras amigas da favela discutir os "pobrema"! Afinal de contas, "Tô pagando"! Não há nenhum espaço para interação na atual programação brasileira porque ela não é necessária: é a TV que faz lavagem cerebral no brasileiro - o contrário não é uma possibilidade.
3-O terceiro grande detalhe: mercado.
Uma das maiores vantagens da TV Digital é, sem dúvida, o sinal de maior resolução. Isso é um empecilho para o desenvolvimento popular de tal tecnologia, já que aparelhos de alta resolução são caros. E vamos encarar: sinal de TV digital em TV analógica é simplismente ridículo - ou você adaptaria o motor de uma Ferrari em um fusca? Sinal de alta definição é para aparelhos de alta definição. Isso complica porque como em todo bom país que cultua a beleza da miséria e o modo de vida do salário mínimo, a tecnologia de ponta acaba inevitávelmente elitizada, e muito poucos têm acesso a tais tecnologias. Com isso em mente, COMO PODE-SE ESPERAR QUE SEJA POSSIVEL POPULARIZAR UMA TECNOLOGIA DE TAIS CUSTOS NO BRASIL??? Por isso a falta de "engajamento" da indústria, apontado pelo sr. Hélio Costa. Do que adianta vender os receptores, se a população não vai comprar as TV's? Simplesmente não há demanda. Só isso. Quer milagre? Pede pra Deus...
4-O quarto grande detalhe: governo.
Vamos deixar uma coisa clara: nosso governo atual é um governo populista, ou seja, é um tipo de governo fundamentado no aliciamento das classes sociais de menor poder aquisitivo, para a auto-promoção. Ou seja: um engana-troxas. É simples: ao inves de educação e oportunidades, dê-lhes casas populares e cestas básicas. Os pobres trouxas pensam que são felizes e bem sucedidos - e pior ainda, pensa que o governo está fazendo o trabalho dele. Nesse caso, lhe daremos casas populares, cestas básicas, e BBB e novelas em alta definição! Melhor que isso, só dois disso!!! O problema é que, como esse tipo de política visa principalmente a auto-promoção, vem cheio de blablabla sobre "obras sociais" e "boa vontade", e o pessoal se concentra tanto nesse blablabla, e esquece que o mercado está envolvido nessa, e ao contrario dos políticos, o mercado não é movido a blablabla, mas sim a dinheiro. Não há nada que o mercado ou a industria possam fazer pra acelerar esse processo. Por isso que o ministro parece tão aborrecido - porque no final das contas, ele é um ministro, e pra ele, só interessa a re-eleição de sua bancada (ou partido, alçada, sei lá qual o nome).
Em suma, provavelmente o governo falhará em fazer lavagem cerebral do povo brasileiro em alta definição. Mas não se preocupem. O BBB e a novela em definição padrão ainda continuarão hipntizando os ignorantes, e vocês poderão continuar a fazer o que sempre fizeram de melhor: roubar da gente e ao mesmo tempo se auto-promoverem.
Caraca, essa foi longa! Espero que vocês tenham lido até aqui sem pular nada, e ainda tenham o fôlego de fazer seus comentários!
Até a próxima!
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